Um relato sobre o Ocupa Rio

Segue abaixo um depoimento escrito pelo nosso velho amigo Lobão sobre um momento que ele descreve como “histórico” que está ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro.

OcupaRio – www.ocupario.org



(fonte: ocupario.org em 12/11/2011)

Reflexo de um movimento global, o Ocupa Rio surge a partir da insatisfação de parte da sociedade civil com o atual sistema político e econômico adotado pela maioria dos governos. No Rio de Janeiro, a manifestação permanente foi montada em 22 de outubro, uma atividade programada em um protesto no dia 15 de outubro. O acampamento já reúne mais de 65 barracas instaladas no local por onde circulam diariamente centenas de pessoas. Cidadãos insatisfeitos de diversas classes sociais, credos e cores, sem nenhuma bandeira partidária ou liderança, resolvem parar de ser espectadores para se tornar atores da cidade, e se unem para repensar seus modos de vida e lutar pelos seus direitos.

Leiam o relato abaixo:

“Cara, eu nunca vi nada igual... É um encontro sem muros, sem o nilismo dos virgens existenciais, sem os comodismos dessa galera que vai pra entorpecer a alma e esquecer as coisas lá fora. Com moradores e crianças de rua, trabalhadores, gente que passa de terno indo pro trabalho no fórum. A galera não desistiu de se abrir para o mundo porque tem gente que fuma maconha, decidiram abrir essa discussão pela legalização ao invés de ficar se trancando em ilhas de prosperidade contra cultural.

Sério, está muito lindo mesmo, parece que todas as antigas pinturas da parede do Centro Acadêmico ocuparam as ruas, saíram andando por aí. E muito mais, com diversas bandeiras de frentes de luta que se somam em uma única luta (difusa, múltipla, radicalmente democrática e obviamente muito, muito confusa) contra o nosso sistema político, econômico e se pá até moral.

A gente se reveza no GT de segurança, de infra, de atividades, de alimentação, de comunicação, de horta urbana, de legalização da maconha, de teoria, de arte e cultura, de ação, de tantas coisas... Se quiser pode ficar só em um também, ou até em nenhum se quiser, é aberto pra qualquer participação. As máscaras de Guy Fawkes, do V de vingança, estão por aí em um monte de rostos disfarçados, junto com artistas usando máscaras de animais fazendo performances, bêbados equilibristas com máscaras de gorila, a galera do LGBT usando saias, tops e uns panos estranhos. Em um canto da praça o pessoal discute remoções e mega eventos, no outro, maio de 68 e a herança de quando a poesia invadiu as ruas, no outro, a crise econômica, embaixo da geodésica, vários músicos alternativos fazem um som de improviso com vários instrumentos dos mais caros até os inventados com lixo. Lá no fundo, uma oficina de exploração corporal sobre uma lona, tem uns bichos grilo e uns Raribow fazendo umas poses de ioga estranhas. Apesar de proibido pelo próprio coletivo, de madrugada uma galera sobe a estátua inaugurada pelo pereira passos e todo mundo tira a roupa falando alguma coisa juntos. Sei lá, direito ao corpo... deve ser...

Há faixas de vários movimentos sociais que passaram por aqui, alguns intelectuais e artistas já querem passar e dar sua contribuição, e um monte de cartazes da oficina quase permanente de desenho coletivo contaminou a praça. Já temos uma cozinha coletiva que serve três refeições por dia, um mini estoque de água que sobrevive de doações que tão rolando, uma biblioteca popular, umas composteiras orgânicas, e um gerador de luz a diesel que mantém nossas atividades. Ahhh sim! Não há nenhuma bandeira de partido, um partido de esquerda (aquele clássico que nós conhecemos) veio com suas bandeiras logo no primeiro dia, e foi deliberado pela maioria da assembléia que não iríamos vincular nenhuma bandeira partidária, que queremos construir uma nova cultura política totalmente horizontal e autogestionária!

Um dia a polícia apareceu aqui e disse:

- Quero falar com os líderes desse movimento!!! Quem são!!

Um cara grita pra multidão com o megafone:

- Aí gente!!! Eles querem falar com os líderes do movimento!!

A multidão se ri, alguns começam a gritar frases desencontradas como "Não há líderes!" Um cara com uma máscara do V de vingança chega pro guarda e fala:

- aí parceiro, não tem disso aqui não! Vai ter que falar com todo mundo!

O guarda depois de falar, falar e falar em vão, pega o megafone e decide falar para a assembléia. Nem sei o que foi.

Abraços a todos, dos que sonharam e aos que sonham em um mundo de igualdade, fora da lógica do capital, onde a liberdade não é mais uma palavra cantada e sim vivida. Com autogestão sem demagogia, na democracia direta e real.

Abraços, Tiago Lobão.”

A todos aqueles que se interessarem pelo assunto, o Lobão sugere esses links:

http://ocupario.org/2011/11/03/o-movimento-do-etcetera/

http://ocupario.org/2011/11/03/um-manifesto-da-cinelandia/